segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Niño Matheus



– Mas como vocês só me ligam só agora? Me diz agora, o que aconteceu! – gritava Mariana.

Junto de seu pedido chegava outra viatura que, ao estacionar, desmanchava o grupo de curiosos aglomerados, em plena tarde ensolarada, numa das portas do mercado público, a do Largo Glênio Peres. Com alguma dificuldade, os policiais conseguiram chegar à loja. A primeira imagem vista ao entrar, após desviar de algumas ervas que pendiam do teto do estabelecimento, é a de uma jovem senhora, com a região ao redor do canto direito da boca inchada e com um pequeno corte, sentada num dos sacos de condimento, a olhar para o nada. Mariana, em pé, olhava tristemente para a mãe, sem saber o que lhe dizer. Pessoas espremidas ao redor comentavam o acontecido; viam-se algumas se aproveitando da confusão para degustar os amendoins de um dos sacos arrebentados. Davam versões, se compadeciam das vítimas, algumas, rezavam.

– Me desculpa, filha – disse Dona Irene, após o qual se seguiu um longo suspiro.

– Tá, mãe, calma, tudo vai dar certo. Faz quanto tempo que levaram o pai?

– Faz uns cinco minutos, foi só eles saírem que tu chegou.

– Por que a senhora não foi junto?

– Eu te esperei para te contar o que... – e ela não conseguiu prosseguir, o pranto tomou o lugar das palavras.

– Tudo bem, não fala nada, eu já disse, tudo vai dar certo.

Mariana foi obrigada a engolir toda sua dor para cuidar de mãe. Ela tinha de ser cuidadosa, pois a mãe, assim como o pai, sofria do coração e qualquer emoção mais forte estava fora de questão. O pai não agüentara, teve um infarto assim que os assaltantes foram embora levando seu neto. Largo Glercado pa jue, ao estacionar, desmanchava o grupo de curiosos que se aglomerava em plena tarde ensolarada

Uma viatura levou-as até o hospital onde seu Antônio estava sendo operado. Dona Irene não conseguia proferir palavra, e, deitada no ombro de Mariana, procurava, a todo o custo, contar-lhe o acontecido. As informações passadas pela polícia não eram suficientes para Mariana, ela queria saber mais, queria poder expor toda a dor de uma mãe que se vê numa situação dessas.

– O Aldo tava junto – disse Dona Irene.

– O quê?! – Respondeu Mariana levando as mãos ao rosto. Dona Irene recomeça o pranto, momentos depois silenciado pelo seu repentino desfalecimento.

Mariana dorme no pequeno sofá destinado aos acompanhantes dos internos. Uma enfermeira entra no quarto para diminuir a dose de soro da mãe, e o pai, ainda anestesiado, está na sala de recuperação. A enfermeira sai do quarto e retorna com um cobertor. Ela não pode deixar de reparar no inchaço do rosto de Mariana. Ela cobre-a sem acordá-la e sai. Mariana passou o dia inteiro na delegacia, querendo saber sobre o assalto e passando informações sobre Aldo. Segundo os relatos, foi tudo muito rápido. Na loja estava o dono, um funcionário – um jovem rapaz, baleado na confusão – os pais de Mariana, e o filho, Matheus. Após passear pelo Gasômetro, eles foram até o Mercado Público. Seu Antônio tinha de comprar alguns de seus temperos, pois o estoque de casa estava terminando. Antônio assistia ao dono pesar os condimentos escolhidos. Matheus, no colo de Dona Irene, divertia-se dando tapas em tudo o que estava ao alcance de suas mãos. O jovem funcionário, até então à frente da loja para chamar freguesia, havia saído para ir ao banheiro. Ao retornar, viu seu patrão dando a um dos bandidos – o encapuzado – todo o dinheiro do caixa e, Seu Antônio e Dona Irene colados junto a uma das prateleiras a fim de proteger o neto que chorava no colo deles.

– Tu tá achando que eu tenho o dia inteiro?! Vamu com isso! – Disse o rapaz, não muito alto, a fim de não chamar atenção, apontando uma arma para o dono. Enquanto isso, o outro vigiava a entrada do estabelecimento, que, para a sorte deles, estava coberta pela vasta variedade de chás, impedindo que se visse o que acontecia lá dentro, talvez sendo esse o motivo para terem escolhido aquela loja, ao invés de qualquer outra. Além disso, ela ficava bem próxima a uma das saídas do Mercado.

– Vamu, vamu! Disse o rapaz armado em direção à porta no mesmo momento em que o outro que vigiava fez o caminho inverso e foi para cima do casal que protegia o neto, que estava quase por completo dentro da prateleira. Tentou afastá-los, desferiu um soco em Dona Irene. Seu Antônio agarrou-se ao neto ao ver o que o bandido pretendia. O funcionário que chegava, ao ver o bandido armado próximo à porta, concluiu que dificilmente ele usaria a arma, correu para ajudar o avô do menino.

– Vamu, meu! – Disse o armado.

– Ô meu, me ajuda aqui!

O bandido, parado à porta, ao ver que o choro do menino já chamava a atenção, atira no funcionário, nas costas, à altura do ombro. Seu Antônio solta Matheus e cai inconsciente no chão. Os dois correm no meio dos transeuntes; o primeiro, armado, afastando quem vêm à frente e, em seguida, o segundo, segurando Matheus pela cintura, que já tinha a pequena camiseta molhada, de tanto chorar. Dona Irene, caída no chão, segue com olhar o neto, que ao vê-la, acalma-se. Ao sair do Mercado Público, entram num carro que estava à espera deles e desaparecem em meio ao caos.

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