quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A Desforra

A língua acariciando o dente frouxo de Lauro, de certa forma lhe acalmava. Era preciso estar pronto para o revide, prever o próximo movimento. Nenhum dos expectadores se encorajava a intervir. Seu olhar não desgrudava do oponente; seus sentidos enlouqueciam-no, estavam por demais aguçados. O pequeno desvio do olhar era para o braço daquele filho da mãe cujo sangue caía pesado no chão e já começava a construir uma imagem, visão do único caminho possível. Se eu tivesse resistido um pouco mais, eu faria da minha faca a mais afiada, e, após arrancar, ergueria o braço dele como um troféu e o teria em minha sala, logo abaixo do retrato dos meninos – por mais sangue que eu tire desse verme, jamais serão vingados.

O resto de consciência a lhe fazer companhia, só cumpria o seu papel para que ele desfrutasse desse momento. Apunhalado na cintura, Lauro sentia cócegas. Não desviava a atenção daquele que transpirava crueldade, mas sentia os olhares angustiados. Ninguém ali queria presenciar uma tragédia – não outra. Sentiu o ar carregado de pânico com um leve esfumaçado de desejo secreto: ele devia concluir sua vingança.

O vizinho que ligou para a polícia desligou no momento de informar o local do confronto, saiu correndo porta a fora, uniu-se ao grupo e formaram um círculo cada vez mais fechado. Com alguma dificuldade ainda pôde ver, deitado no chão, o jovem assassino, verme tomado pelo desespero tentando se defender e sentindo sua faca afundar macia no pescoço de Lauro, aumentando a força e o delírio de daquele pai, que, a cada facada desferida no rapaz, ouvia claramente as vozes dos meninos rindo e dizendo que o amavam.

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