quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Penitência

Padre, pequei. Às vezes, noto a verdade como um rascunho que desenhamos para passar o tempo. Eram muitas dúvidas, e tanto desapego, que decidimos terminar antes do carnaval. Não sentia falta de uma outra metade, afinal, sempre duvidei dos apaixonados.

Em meio a um tipo de ambiente que sempre evitei – música estourando os tímpanos, gente excedida, suada, espuma enredando os cabelos, olhos ardendo, os vários tipos de bêbados, dos melancólicos aos tímidos que resolveram tomar uma atitude, dos briguentos aos chorões – o vi, num retrato completamente destoante de todo aquele caos. Eram duas imagens que, a princípio, não se misturariam, nem nos sonhos mais absurdos. Um anjo no meio do inferno. Alto, magro, alemão, não-bêbado, culto. Gastava seu tempo dando aulas para crianças de quinta série durante o dia em Esteio, à noite estudava Filosofia em Canoas e repousava em Sapucaia. Chegou com a salvação para todas as minhas dúvidas, para me dar um rumo, para resolver minha vida. Papo cabeça, beijos exploradores, passeios pela praia. Foi assim durante os quatro dias de folia.

Após o carnaval, uma quarta-feira de cinzas, uma volta ao trabalho e, conseqüentemente, ao estado de consciência. Meu delírio não havia coincidido com o término do carnaval. A ressaca que me abatia não era curada com paninhos quentes ou chazinhos, a cura significaria uma tomada de atitude. Despistei o que pude, não tinha mais desculpas para não vê-lo de novo. A meu ver, carnaval não haveria graça se não fosse incorporado um personagem, e tudo dentro daquelas horas era tolerado, afinal, era a minha primeira vez foliando e não queria tornar isso um hábito. Entretanto, na volta, eu não precisei de ninguém para me julgar e declarar culpada, a mim cabia esse papel. Eram longas conversas ao telefone, pernas no ar e mente em Sapucaia. Numa delas, ao dizer que não podia vê-lo, pois estava enfrentando problemas com o pai (e que um dia lhe contaria já que era uma história complicada), ouvi algo perturbador:

- Não te preocupe, eu também tenho minhas coisas ocultas.

Só Deus sabe – talvez alguma outra entidade também tenha testemunhado – como as cinzas daquela quarta-feira já um tanto distante voltaram a crepitar. Nunca minha criatividade esteve tão ativa para essas “coisas ocultas”. Ele poderia ser casado, um ex-presidiário, um gay ainda em cima do muro, um psicopata – a dúvida me contaminava por dentro tanto quanto um câncer que vêm aflorando.

Qualquer tentativa de confissão, ao telefone, era perda de tempo. A vontade, a saudade e, principalmente, a dúvida me guiaram até o zoológico de Sapucaia.

Sua voz era perturbadora demais. Mas ele havia me avisado. Fui eu quem viajou, para onde nunca achei que o carnaval me levaria. Não suportei a idéia de saber que alguém não só enganava aos outros, mas, principalmente, a si mesmo. Não me restava outra saída.

Por isso, aqui estou, querendo pagar pelo meu pecado. Meu anjo era um padre.

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