quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Quebra-Cabeça

Cuida de mim – foi a última coisa que te pedi, não tão tranqüilo o quanto parecia estar mas o suficiente para que tu me encarasse de uma maneira que eu não esperava. A tua mãe me perguntava, como havia sido, se estavas serena, afinal, não sentias mais. Sem poder lhe responder o que eu havia dito, dirigi-me a um sei lá onde, a três horas de casa. Foi lá que nos conhecíamos há exatamente cinco anos, e, ao canto oposto, perecias, mas não o bastante para deixar de esboçar-me aquele olhar antes de ir. Achei, em cima do roupeiro empoeirado e já devorado pelos obstinados destruidores de passado àquilo a que fui à procura: o primeiro presente que me deste, um quebra-cabeça. Sentei-me e fiquei a montá-lo – lembras que eu jamais havia conseguido e não te deixava mexer nele, com medo de que pudesses encontrar a solução antes de mim? Chegou o momento de eu te mostrar, eu consigo – provavelmente não havia conseguido devido a tua constante mania de preencher-me de tudo quanto é jeito, devido ao fato de jamais imaginar eu cá e tu aí, eis o impossível. Nós dois sempre um, sempre aqui, sempre em frente e ao interior. Sim, agora te provo. Cá estou, eu crente, você fria, a apenas observar-me e a cuidar de mim. O frio que faz a essa época na praia não está escrito em nenhum lugar, tudo parece acentuar esse medo de ser vencido por aquilo que ainda representas. Aqui há três semanas, nem sequer me ligaram para saber como estou, que maneira arranjei de abafar – desabafar? – tudo o que eu possa estar sentindo. Pois é. Concluí: desisto! Não sou bom para terminar esse jogo; se seu tivesse insistido enquanto vivias, talvez eu teria acompanhado a tua jogada e hoje saberia como me virar. Mas não. Não tenho por que continuar a brincar. Tenho fome. Sobrevivi esse tempo com as sopas em pó vencidas que havias deixado no armário desde o último verão. Mas aqui não faz sol, não tenho por que tentar fazer reviver-te aqui nesse local de onde jamais deveríamos ter saído juntos a planejar um futuro. Venta bastante, ótima oportunidade para deixar os últimos pedaços de convivência contigo irem-se para onde eu jamais possa encontrá-los de novo. Aproveito também para rasgar e deixar ir essas palavras, das quais nada sei sobre pretensões, mas que de alguma maneira eu temo. Quando voltar, irei ao endereço deixado pela tua mãe, desculpa não ter ido, mas nesses lugares eu enxergo tudo menos a paz tão difundida pelos santos, cruzes e tristes figuras das quais são formadas os cemitérios. Rasgo agora cada pedaço desta carta, se for de interesse de alguém – teu, por que não? – que ela seja reconstituída. Mas de que te adiantarias essas idéias, essas impressões sobre os primeiros momentos sem ti, te perguntas, me pergunto. Deixemo-las! Que sejam contadas pelo vento!

- Alô. Oi amor, é a Júlia. O que fazes aí?

- Oi... Tentei te perder. Ganhar. Perdi.

- Tenho sentido tua falta. Quando voltas?

- Eu volto... Em cinco minutos.

- Nem um segundo mais.

- Te amo.

- Ok. Beijo.

Um comentário:

Rodrigo Fagundes disse...

São lembranças boas que perpassam todos os amores. Me marca a competição fútil que se estabelece, e a inconclusão de tudo em que não ocorre empenho mútuo.

O passado é um quebra-cabeça. O telefonema. Um acidente é um quebra-cabeça. O futuro e o presente também.